sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Novos ares

Um tanto de raios de sol para cabelos.
Brilho estelar para a boca.
Cortinas de seda, para revelar os olhos apenas a quem merecer.
Nos ouvidos uma música de águas, dessas de catarata para lavar a alma.
E nessa alma, um movimento branco, em paz transparente, como as pombas.
Para a imaginação, liberdade nebulosa, cinza e azul.
Casa de doces para morar.
Príncipes para esperar. No ventre.
Amores de livro para abraçar.
Travesseiros, redes e praias para sonhar com mais poesia.
Canetas e tintas para trabalhar feliz.
Árvores antigas para os pulmões agradecerem. E novas, para a consciência.
Dias melódicos. Noites sinfônicas.
Tempos frescos e bons para pintar.
Descobrir, sem coisas, a felicidade.
Voar com o coração aberto ao vento que levou o que passou.
E que traz agora novos ares.
Inspire.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Estrelas e promessas

O céu sabe que é majestoso. Os olhares se voltam para ele invariavelmente. Dia, noite, tardinha, sempre o céu. Esperamos alcançá-lo de alguma forma. Como se fosse possível tocar com os olhos. Sempre é isso que desejamos: não apenas ouvir mas ver, não apenas ver mas tocar. Quanto mais concreto, sólido, palpável e próximo, melhor. Creio ser por isso que o céu causa em nós uma sensação de estranhamento. Poesia. É o diferente de nós, o totalmente outro. Ao olhar o céu à noite, ouço uma voz bem no meu interior, tão perto que parece distante - como é difícil entender quando sussurram ao ouvido - : "Tente...". Epifania, certamente. 

Eu vejo agora Abraão. Ele vai ser o pai da fé cristã, mas ainda não sabe disso. Orando, abrindo o coração para o que ele não vê. Em um dado momento, ouve a mesma voz que eu ouvi: "Olha agora para os céus e conta as estrelas, se as podes contar." Não, ele não pode. Ninguém pode contar as estrelas. Você pode estudá-las, aprender seus nomes, marcar a localização de algumas delas num caderno, mas nada fará com que você seja capaz de contá-las. Você pode se tornar o astrônomo mais respeitado no mundo, pode comprar os equipamentos de tecnologia mais avançados do mercado. Tudo o que você conquistar vai ser expressivamente insuficiente para contar as estrelas.

O céu é isso. O céu brilha repleto de tudo que não podemos. Esse é o estranhamento: eu não o alcanço mas ele me cobre. "Tente...", diz o Poeta, "Tente contar as estrelas...". Ele gosta de fazer isso. É difícil entender por quê tentar fazer algo que está fora das minhas possibilidades. "Não é possível", digo a mim mesma, e até mais: "não quero tentar e me frustrar." Mas o medo da frustração revela o desejo pelo que se quer. Amamos as estrelas. Elas são as belas intocadas. Inatingíveis e resplandecentes sob o céu negro azulado. Desejamo-nas porque temos em nosso coração a eternidade e queremos transcender às luzes, mas nos é impossível contá-las. Tudo o que podemos fazer é vê-las. Não de perto. Só podemos vê-las de longe. Outra epifania, provavelmente. 

Agora vejo Sara. Ela está gerando uma nação escolhida, mas ainda não sabe disso. Imagino que ela pode ter se sentido velha, seca, infértil. É assim que nos sentimos às vezes. Velhos, como se já houvesse acabado nosso tempo. Secos, insuficientes para saciar a sede de alguém. Inférteis, como se nunca mais fossemos capazes de produzir coisas boas. Sara olha as estrelas, pensa que é impossível. Fecha os olhos e ouve as promessas. É a canção do novo ecoando pela eternidade que viria de seu ventre.

E assim foi, conforme a crença que eles tiveram ou não. O brilho dos céus invadiu a terra e concretizou as promessas. Simplesmente. Porque quem prometeu é o mesmo que chama as estrelas do céu pelo nome. É tudo por aquele que sustenta o céu. O azul estrelado perdura como as promessas, cantando a canção da eternidade e descendo ao chão onde se firmam os pés dos viventes. Mas os viventes que sonham podem voar. Os viventes que sonham abraçam as promessas.

E podem um dia tornar-se estrelas.
(Daniel 12:3)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Os cabelos da minha mãe

Grama verde, casa com chaminé, sol amarelo, árvore.
Quando se é criança sempre há motivos para colorir.
Um boneco grande de palito sorri: é meu pai.
Nos braços dele, uma bolinha pequena: é minha irmã bebê.
Um boneco pequeno de palito com cabelo amarelo também sorri: sou eu.
Outro boneco grande de palito: é minha mãe.
Ela ganha um sorriso, um vestido de triângulo e cabelos.
Cheios, cacheados, ruivos, alisados, castanhos, escovados, brancos, curtos.
A cada desenho feito, mudavam.
E mudava também o meu desenho.
Agora os bonecos são todos grandes e a casa não tem chaminé.
O sol amarelo se escondeu atrás do cinza.
Um cinza que eu já havia conhecido de outros cadernos.
Ele que agora invadira meu desenho.
E os cabelos da minha mãe começaram a cair.
Pouco a pouco indo para o chão, para a roupa, para a folha de papel.
O boneco de cabelos amarelos não sorri.
O boneco que já foi uma bolinha não sorri.
O boneco que envelhece em meu desenho não sorri.
E os cabelos da minha mãe continuam a cair.
Tentei fazer cabelo em fio azul, roxo, verde florescente.
Mas nada floresceu.
O sol se escondeu.
E os cabelos da minha mãe estão caindo.
Lentamente os bonecos se aproximam no papel.
Tocam os braços de palito um no outro.
Tudo está cinza.
O lápis amarelo está sem ponta.
No chão, os cabelos da minha mãe.
Mas nas cabeças dos bonecos há sorrisos.
Azuis, molhados de lágrimas de chuvas cinza.
E num lugar que eu não sei desenhar, eu voltei a ser criança.
Quando se é criança sempre há motivos para colorir.
Mesmo sem o amarelo na caixinha.
Ou com um cinza a permear a minha folha.
Porque para mim a minha mãe sempre vai ser meu boneco de palitos.
Com um vestido de triângulo, um sorriso.
E com os cabelos que um dia desenhei.


sábado, 25 de agosto de 2012

É o que faz o amor.

Acho tão estranho que você me ame.
Vejo você, e é tão perto.
Tudo que é perfeito chega tão perto. Quase alcançam você.
As coisas lindas são assim, amigas suas.
É por isso que não entendo.
Entre o Órion e o Sete-Estrelo;
o nascer e o pôr-do-sol;
o eclipse e a lua nova;
a rosa branca e o jequitibá;
o fogo e a neve;
eu. Por quê eu?
Se todas as sinfonias do universo tocam a seu mando,
o que pode fazer a mais pobre menina,
tão suja da poeira desta terra?
Se você não cabe no poema,
se em você mora o amor em plenitude,
por quê morar em mim?
É muito estranho que você me ame.
Mas entendo que não é por mim. Eu não mereço.
Sei que você me ama porque você é o Amor.
E é isso que faz o amor.
Ama. Incondicional e simplesmente.

domingo, 12 de agosto de 2012

Deixe-me ir, Pai


Pai, deixe-me ir. Pode parecer que eu não sei o que estou dizendo, mas, acredite, pai, eu sei. É muito pior para mim. É bem mais difícil. Mas é o certo agora. Por favor, pai, deixe-me ir.

Deixe-me ir, pai. Eu vou, mas volto. Eu não vou pra nunca mais voltar. Eu vou porque não posso parar. Não há como viver o presente com um pé no passado. Não posso ser menina para sempre. Tenho que voar do ninho. Não ser livre é um grande erro. Preciso pular.

Pai, deixe-me ir. Eu me vou com a certeza de que voltarei. Eu me vou com a certeza de que seu amor me fez quem sou. Eu me vou com a certeza de nunca ter saído, pai, do seu coração. Eu me vou neste agora, só isso. E volto em todos os sempres.

Deixe-me ir, pai. Você já sabe que aprendi sobre o amor. Você já sabe que aprendi sobre a dor. Você já sabe que aprendi o quanto custa pra gente sorrir, pai.

Eu não quero ir, pai. Eu não quero ir se você não souber que eu o amo. Eu não quero ir se você não prometer sempre me responder. Eu não quero ir se você deixar de me amar, pai.

Eu não quero ir, pai. Eu não quero ir a menos que saiba que você é meu grande amor. Eu não quero ir se você se esquecer de que é o homem da minha vida. Eu não quero ir se você se esquecer de que aprendi com você, vivi com você e, acima de tudo, amei você.

Mas deixe-me ir, pai. Vou se você souber que eu nunca vou me esquecer de tudo. Se você prometer que também vai lembrar. Eu vou, pai, se você for comigo sempre em meu olhar.

Deixe-me ir, pai. A mão que despede é a que está no extremo a reencontrar. O coração que parte sempre vai voltar. A saudade é forte, mas preciso ir, pai. Deixe-me ir.

Você sempre vai ser o mais forte. Sempre o mais bonito. Sempre o mais inteligente. Sempre o mais talentoso. Sempre o que sabe tudo. Sempre o que dirige. Sempre o que tem as chaves de casa. Sempre o que empurra o balanço. Sempre o que me faz feliz. Sempre o melhor de todos os homens. Se você não me deixar ir, pai, não conseguirei partir.

Você sabia que chegaríamos a este ponto um dia. Para isso caminhamos, para isso trabalhamos. A nossa recompensa é a partida. Mas, pai, eu prometo, eu não vou esquecer nada, eu vou sempre lembrar tudo. Nada de esquecer, nada de canto qualquer.

Você mora no centro do meu coração. E aqui não há mudanças. Eu prometo, pai. E vou cumprir porque eu aprendi o valor que têm as palavras.

Mas o momento é agora, pai. Deixe-me ir porque não posso me atrasar. A vida me espera e eu não posso adiar. Se eu pudesse, não iria me afastar. Mas não dá. Deixe-me ir, pai.

Mas, pai, antes de ir, posso pedir mais uma coisa só?
Pai, por favor, sempre que puder me receber...

Deixe-me voltar.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Para ser amor




Tem que ser sincero.
Tem que ser bonito.
Tem que ser engraçado.
Tem que ser levado a sério.
Tem que ser bom.
Tem que ser muito bom.
Tem que ser maravilhoso.
Tem que ser sofrido.
Tem que ser conhecedor de vida.
Tem que ser salgado de lágrimas.
Tem que ser doce.
Tem que ser vivo.
Tem que ser claro.
Tem que ser poético.
Tem que ser prático.
Tem que ser musical.
Tem que ser silencioso.
Tem que ser secreto primeiro.
Tem que ser anunciado depois.
Tem que ser disposto a morrer.
Tem que ser novo.
Tem que ser atemporal.
Tem que ser esperado.
Tem que ser aguardado.
Tem que ser temperado.
Tem que ser confiante.
Tem que ser convicto.
Tem que ser tranquilo.
Tem que ser verdadeiro.
Tem que ser alegre.
Tem que ser amante.
Tem que ser amador.
Tem que ser experiente.
Tem que ser inteligente.
Tem que ser pouco exigente.
Tem que ser prudente.
Tem que ser arriscado.
Tem que ser divertido.
Tem que ser pacífico.
Tem que ser perdoador.
Tem que ser eterno.
Tem que ser divino.
Tem que ser perfeito.
Se assim não for, não é amor.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Pensando em meu Pai


Hoje desci pra encontrar meu pai e ir pra casa.

Ele estava sentado no banco. Eu vi meu pai de lado.

Fiquei com tanta saudade do tempo em que a gente brincava mais do que conversava. Ele já tá cheio de cabelo branco... Você não imagina como ele era lindo e forte. Pra mim ele vai ser sempre assim. Fico pensando que vou sentir muita falta dele quando eu for embora.

O meu pai ficou velho e a vida chegou pra mim. Foi tão inevitável. E é tão difícil.

Porque a vida vem com as frustrações, as decepções, as responsabilidades, e não dá pra fugir. Não dá mais só pra ir chorando pra perna dele, sabe?

Mas eu agradeço muito a Deus pelo pai que ele me deu. Errou tanto comigo, mas me amou com cada gota de sangue que ele tem no corpo.

Pensei muito nisso hoje quando ele estava me esperando na praça, me viu, levantou e veio sorrindo. Foi tão bonito, mas ele nem sabe que eu pensei isso tudo em milésimos de segundo.

Mas o importante é que ele sabe que o meu amor é o tempo todo.

Todos os segundos.


domingo, 13 de maio de 2012

Palavras para a Mãe em seu dia


À que se nomeia com a palavra mais doce de se dizer, é pouca toda poesia enriquecida, ou toda música que maravilha os seres viventes, que nela dantes foram gerados. É pouco todo discurso, é pouco todo ato, porque é fato que a ela se deve a vida, a paciência, o reconhecimento, o carinho, a gratidão e, é claro, o maior presente que dela provém: o amor. Que seja ele todo dedicado a ela hoje e sempre. Mãe, amo você.


sábado, 5 de maio de 2012

Conversa a dois

 - Oi, tá aí?
 - Oi! Claro que sim! Sempre.
 - Me desculpa, tá? Às vezes eu me esqueço de que sempre posso contar com a sua presença.
 - Tudo bem. Sempre pode contar com meu perdão também.
 - Obrigada por isso. Mesmo. Aliás, obrigada por tudo. Tô com saudade de ouvir sua voz.
 - E eu de ouvir a sua.
 - Minha voz não é bonita igual à sua. Fala alguma coisa pra mim. Ou canta. Tudo que sai da sua boca é tão bonito... tão poderoso. É como a luz para a escuridão total.
 - Ah, como eu amo você falando... continua.
 - Não, é sua vez agora. Você também tem que falar.
 - (...)
 - Tá, você não tem que fazer nada. Depois de tudo que você já fez... seu amor já tá mais do que provado. Mas é porque eu gosto tanto de ouvir sua voz, é linda. Puxa... te amo.
 - Também te amo. Agora me deixa ver seu rosto e ouvir a sua voz. Sua voz é doce e seu rosto é belo.
 - Que bom que gosta. Você que fez.
"Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me a tua face, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e a tua face graciosa." (Cantares 2:14)

domingo, 15 de abril de 2012

Café de brasileira


Senta aqui um pouquinho que eu tô com uma saudade danada de conversar com o senhor. 
Coisa linda esse céu hoje de manhã, hein? 
Todo dia parece que o senhor deixa o negócio mais bonito, impressionante isso. 
Mas tava quente viu? 
Quer um cafezinho? 
Passei agora. 
Vou tomar um cadinho também. 
Falando nisso, o senhor sabe que eu não corro não. 
Posso até chorar, mas eu encaro mesmo!  
Tô contigo e não abro! 
Mas, Jesus, esse café tá amargo demais. 
Eu falo assim porque eu sei que com o senhor eu posso ser sincera. 
Ô, Jesus, põe um pouquinho de açúcar nesse café. 
Por favor, que desse jeito tá difícil de engolir. 
Eu tô sempre firme aqui, contigo. 
Todo dia labutando, dando nó em pingo d’água. 
Mas o senhor sabe que a hora que eu mais gosto do meu dia é esse tempinho que a gente passa junto, né? 
O senhor gosta? 
Eu acho que sim porque o senhor sempre vem...
Ai, Jesus, ajuda meus meninos. 
Dá um trabalho bom pro Zé. 
O senhor sabe que tô tendo que botar muita água nesse feijão pra durar a semana. 
Mas obrigada porque o senhor não deixou faltar nem um arrozinho, um ovinho, um feijão. 
Obrigada, Jesus. 
Tem até esse cafezinho pra tomar com o senhor. 
Daqui a pouco escurece. 
Eu tô com roupa no tanque, tenho que ir lá. 
Mas é tão bom ficar contigo aqui. 
Ê vida! 
Ainda bem que o senhor não vai embora nunca. 
Daqui a pouco eu volto pra gente continuar a prosa. 
Se o senhor mandar a farinha, eu faço bolo depois pra gente conversar mais e pro Zé ficar feliz. 
Ô, Jesus, obrigada por tudo, viu?
Amém. 


terça-feira, 3 de abril de 2012

Veritas

Se eu disser a verdade sobre quem me ama serei exagerada, 
porque não há ninguém tão bom como eu diria.
E não vai ser totalmente verdade.
Se eu disser a verdade sobre quem me odeia serei injusta, 
porque eu também não amo todo mundo.
E não vai ser totalmente verdade.
Se eu disser a verdade sobre o mundo serei ineficiente, 
porque o mundo diz que há muitas verdades.
E não vai ser totalmente verdade.
Se eu disser a verdade sobre mim mesma serei parcial, 
porque me olho no espelho e faço maquiagem.
E não vai ser totalmente verdade.
Mas (e ainda bem que existe esse mas),
se eu disser a verdade sobre Deus (o motivo do meu mas, porém, contudo, todavia e entretanto,
e que muda o sentido da oração, da perícope, do livro, da vida)
então sou óbvia.

Porque ele é a verdade. Pura e total.


João 14:6

sábado, 31 de março de 2012

O menino que andava nas nuvens



Ele era diferente dos outros. No olhar dele tinha alguma coisa de sonho, uma coisa dessas que não se pode explicar. Tinha também um infinito. Se alguém se atrevesse a olhar por mais de dois segundos dentro daqueles olhos correria um grande risco de se perder totalmente. Ou se encontrar. Mas era um menino, desses que a gente vê andando pela rua, que vai pra escola todo dia e gosta de alguma coisa de que gostam os meninos. Mas, ainda assim, ele era diferente dos outros.

Até que um dia, olhando para ele, aconteceu uma coisa linda. Nem todo mundo acredita, mas é a verdade. Uma verdade dessas fantasiadas de poesia. Os pés dele estavam no chão, eu vi. A cabeça estava nos ares. Ela se mexia num ritmo bonito, como se houvesse muita música presa dentro dos ouvidos. A cabeça subia, subia até chegar perto do sol. Então o rosto se aqueceu e o calor desceu pro coração. Aí foi que aconteceu de verdade. Depois que o coração aqueceu, os pés saíram do chão! Foram subindo, os braços se abrindo e quase podia abraçar o mundo. Ele voou em si mesmo até umas alturas desconhecidas.

Quando chegou bem lá em cima, afofou os pés numa nuvem bem branquinha que passou por perto. E saiu caminhando. Gostou de andar nas nuvens. E decidiu que andaria por lá. Se queria brincar, era só estender a mão pra pegar uma estrela. Se sentia frio, abraçava o sol. Se sentia calor, saltava pelas nuvens até o outro lado do mundo, onde a noite poderia refrigerar os seus desejos. Tinha tudo o que precisava. Os seus sonhos eram reais nas nuvens.

Mas um dia as nuvens estavam acinzentadas. Procurou um arco-íris e não achou. Procurou um amigo pelas nuvens e não encontrou. Ele sentiu solidão. Foi aí que descobriu que as pessoas do mundo não vão para as nuvens, os pés delas estão grudados no chão. Quis abraçar o mundo, mas sempre faltava uma parte. O menino percebeu que mesmo que abraçasse o mundo todo, o mundo não queria abraçar de volta. Achou difícil caminhar sobre as nuvens. Entendeu que sonhava sozinho. Aí teve uma ideia.

Coseu muitos sacos de pano. Encheu cada um, cuidadosamente, de nuvens. E todas as vezes que uma pessoa do mundo fechava os olhos por mais de cinco minutos, o menino descia e colocava o saquinho de nuvem debaixo da cabeça da pessoa. E ali ficava a pessoa, por horas, com os olhos fechados e a cabeça nas nuvens. Então as pessoas começaram a sonhar. Elas sonhavam e o céu escurecia e acendia estrelas. E todas as noites o menino que andava nas nuvens tinha sonhadores de companhia. Mas era só tirar a cabeça do saquinho de nuvem que os sonhos se tiravam de dentro das pessoas.

Mas a grande esperança do menino que andava nas nuvens era que as pessoas do mundo descobrissem que o saquinho de pano era só o embrulho. Se elas libertassem as nuvens, poderiam ser como ele e caminhar sobre as nuvens. O menino conhecia o segredo que mais ninguém conhecia: ele não precisava fechar os olhos para sonhar. E é por lá que está até hoje o menino que andava nas nuvens. Coração aquecido, nuvem no pé, música no ouvido e sonhos nos olhos de quem quiser...

domingo, 4 de março de 2012

Musica et Vita


Quem me conhece sabe que gosto das melodias. Especialmente das melodias mais bonitas. Mas as melodias bonitas e simples, ah! Essas eu amo. Não por causa de algum nível de dificuldade. Porque elas simplesmente não precisam de detalhes difíceis para serem interessantes. Elas são lindas por serem lindas. Simplesmente. Poderia cantá-las minha vida inteira. Seria feliz. Mas os sons que vivemos não são decididos por nós. A voz que Deus me deu é pra cantar mais do que músicas simples. Ela tem um potencial especial para cantar as mais difíceis como se fossem fáceis. A voz que recebemos não é para cantar só o simples, o bonito. É para cantarmos belamente até a melodia mais difícil que for escrita em nossa partitura. E precisamos praticar, treinar, aprender.  Temos que desenvolver as habilidades para superar a cada dia os nossos desafios musicais. Sustentar uma fermata por mais tempo. Atingir notas agudas com mais brilho. Ressoar as graves mais plenamente. Controlar melhor os stacatos para que não sejam agressivos. Aplicar a exata força no sforzando. Obedecer ao pianíssimo, mesmo que a emoção toque para nós um forte. Dar a dinâmica certa à nossa melodia. Mas ainda assim, há compassos em que precisamos aceitar notas abaixo e acima de nós. Precisamos harmonizar. Seja nos mais simples acordes maiores, seja nas mais inusitadas dissonâncias. A harmonia é funcional e cumprirá na nossa música um específico propósito. Acima de tudo, precisamos confiar no talento do Compositor. Ele é o Grande Maestro, o mais talentoso Artista. E quando o compasso à nossa frente parecer impossível de ser executado, devemos lembrar que até mesmo para as tonalidades menores, o Autor já escreveu uma picardia no final. E depois uma coda. Porque quem realmente aceita o desafio de ser regido pelo Músico Amado, nunca vai parar de cantar.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Se eu tivesse asas...



Se eu tivesse asas, não teria medo de abri-las.
Se eu tivesse asas, não me recolheria nesta caverna.
Se eu tivesse asas, cuidaria bem delas para poder voar sempre.
Se eu tivesse asas, sentiria o prazer de tirar meus pés do chão sem cair.
Se eu tivesse asas, não cairia nunca.
Se eu tivesse asas, fecharia os olhos e só subiria.
Se eu tivesse asas, voaria para outro lugar.
Se eu tivesse asas, voaria até você.
Se eu tivesse asas, visitaria as nuvens.
Se eu tivesse asas, provaria se as nuvens são algodão doce.
Se eu tivesse asas, voaria para o monte mais alto.
Se eu tivesse asas, ouviria a melodia do silêncio no espaço.
Se eu tivesse asas, lembrar-me-ia que meu lar não é aqui.
Se eu tivesse asas, creria de verdade que não há limites.
Se eu tivesse asas, tentaria tocar uma estrela.
Se eu tivesse asas, acompanharia as ondas sonoras da sua voz no ar.
Se eu tivesse asas, entenderia de verdade que nada é impossível.
Se eu tivesse asas, mudaria meu foco.
Se eu tivesse asas, caminharia só pelo prazer de fazê-lo.
Se eu tivesse asas, manteria meus pés limpos.
Se eu tivesse asas, veria a linha do horizonte do outro lado do mar.
Se eu tivesse asas, sonharia mais alto.
Se eu tivesse asas, descansaria.
Se eu tivesse asas, ainda assim tua mão me guiaria.
Se eu tivesse asas, ainda assim tua destra me susteria.
"Assim eu disse: Oh! quem me dera asas como de pomba! Então voaria, e estaria em descanso." (Salmos 55:6)
"Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá." (Salmos 139:9-10)
 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Sem medo de Sonhar


Olhei nos olhos dele. Tive uma vontade imensa de sonhar. Segurei a vontade. "Não posso!", pensei. Já sonhei e me frustrei. Já sonhei e vi meu sonho se desfazer como fumaça. Ele sorriu. Olhou para mim outra vez. "Ai, que vontade de sonhar com esses olhos pra sempre!", foi meu outro devaneio. Abriu a boca e era música no ar. "Você nunca vai se frustrar ao meu lado.", ele disse. Acreditei. Acreditei mais um pouco. Depois, duvidei. "Já ouvi isso antes", lastimei. Como se fosse possível, naquela pura aura, alguma sombra de variação. "Você sabe que o que eu digo é verdade", respondeu ele. Paciente e lindo, muito belo. Tomou minhas mãos e me pôs de pé. "Quero que você caminhe nas pontas dos pés.", pediu. Cavalheiro que ele é. Não dá pra negar um pedido doce como esse. Sem soltar as suas mãos, andei na ponta do pé. Em direção a ele. Até que chegamos tão perto um do outro, que nasceu aquele abraço. E bem no meu ouvido ele cantou. "Minha amada", e desfaleceu meu coração, "mesmo que você caminhe nas pontas dos seus pés, ainda não vai alcançar o céu." Eu sabia. Não podia sonhar. Por que me permiti àquele abraço? Se eu não podia alcançar o céu, por quê andar na ponta do pé? E ele, lendo meus pensamentos, como sempre gosta de fazer, explica: "Você pode caminhar com a ponta do pé na muralha mais alta do mundo.", disse suavemente. E, com um suspiro, afastou-se do meu ouvido para olhar nos meus olhos novamente. "Você nunca vai sonhar o impossível a ponto de se frustrar." Então, como se fosse a lei mais natural do universo, ou como se nunca na história  da minha vida eu houvesse sofrido por nada, ele continua a música: "Não tenha medo. Os meus sonhos sempre serão mais altos que os seus." Suspirei. Era inevitável me apaixonar por ele. E me rendi ao melhor beijo da minha vida, na mais linda e inesquecível dança numa noite de luar.

"Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos que os vossos pensamentos."