quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O anjo no mármore

Eu vi o anjo no mármore
cavei no carvão da cova
inutilmente: morri.
Mortal, merecida e maleficamente morri.
Como morrem todos dessa mata morta,
como os meninos morrem nesse morro torto,
como a gente morta que de porta em porta morre,
paulatinamente morre.
Esfomeada, esfaqueada e famigeradamente morre.
Como morrem todos dessa favelada,
Como os meninos fracos temem a fivela,
feridos, fatigados e fotografados
meninos da manchete
do mundo moribundo
manchado de mortalha
enfiado na cova,
o covil da morte,
feita de mármore
onde vi o anjo,
e o anjo me viu,

e voou.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Soneto das três marias

Quero uma canção bonita para cantar de manhã:
que fale de amor à vida; que tenha cheiro de maçã;
que seja real de realeza; também real de sonho ao fim;
que verta verdades, não certezas, com toque de jasmim.

Quero a pedra preciosa para usar como anel:
que deixe minha mão em prosa ou em poema de cordel;
que tenha o vivo brilho das estrelas; etéreo morto em céu azul;
que saiba selar cartas e escrevê-las a lente ou olho nu.

Quero o silêncio agudo para cortar a maré:
que deixe meus ouvidos turvos; que não afogue a minha fé;
que o oceano afunde tudo que em ondas vai a flutuar;
que seja a destreza meu escudo na luta pelo mar.

Quero as três marias juntas: a fé, a letra e a canção:
que todo aquele que as vislumbra se lembre do que elas são.