quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A bebê, eu e o teste do universo

Linda. Cheia de fofuras pelos braços. Do tipo que a gente olha e quer apertar. E todo mundo fala axim pu nenexim delixia. Em casa. A mãe disfarçou e saiu. O pai, logo depois. A vó conversou comigo e, cansada, saiu disfarçando bolsas. Ficamos nós. Ela concentradíssima no desenho colorido, eu babando em rápidas olhadas sorridentes que ela me lançava.

Chegou a hora da papinha. Fiz tudo conforme o combinado. Malandramente pus o babador na bebê enquanto ela observava atentamente a dança do desenho louro. Sem atrapalhar seu campo de visão, coloquei-a na cadeira e prendi. A papinha já estava quente. Sentei-me ao seu lado e alimentei ávida a bebê.

Tudo terminado. Supusera eu. Coloquei-a de volta ao cercadinho, retirei o babador e o desenho continuou para a felicidade de nós duas. A mãe liga para avisar que volta às oito e meia e eu anuncio minha glória: tudo está bem.

Como se o universo soubesse de meus devaneios de triunfo, resolveu testar-me as habilidades. Começou o choro precisamente às oito e vinte e cinco. Fraldas, limpas. Desenho, animado (como sempre fora). Fome, saciada. Soluço? Água, mais água. 

Acalmou. Três minutos de tranquilidade desprovida de qualquer soluço. Barbie dançando. E eu ainda vitoriosa. Até que não houve som naquela casa que não fosse acobertado pelo choro sentido de sofrimento do fundo da alma de tão jovem ser. É o suor, pensei. Chuveiro.

Qual dificuldade! Tirar roupas é uma maldade com criança, meu Deus. E eu, a torturadora mor, sofria com o peso na consciência. Ela escalava o lugar onde eu forçosamente a deitava. E o universo ria-se de mim e de meus passados devaneios triunfalistas.

Com muito custo, desnuda. Eu também ia me aventurar à mesma condição, mas o tempo em que os braços estavam soltos era sempre de risco. Entrei ao chuveiro. Ela, como veio do céu. Eu, vestida. O universo? Os músculos faciais contraídos por rir da minha branca e pálida face de perdedora.

Por pouco tempo. A água a acalmou. O volume do choro diminuiu consideravelmente. Eu, ensopada. Ela misturava lágrimas com banho. Quando saímos. É toalha, é pomada, é hidratante, é fralda, é escova de cabelo. E é a bebê gritando novamente. E eu me humilhando perante um universo quase malvado.

Ela linda. Cheirosa e lacrimosa. Volto com ela à sala onde por uns instantes ela se esquece de chorar ao vislumbre das cores do desenho. E lembrava-se, e chorava. E o desenho. E a mãe chegou.

Às oito e quarenta e cinco. Entra e mãe e o barulho da porta desperta a atenção da bebê. Os olhos vermelhos denunciam a tortura sofrida. Os bracinhos de fofura se erguem à mãe. A bebê nem se lembra como chora. Olha pra mim e ri, feliz com a presença da mãe. Pergunta:

"Por que você está toda molhada?"

Por quê? Penso. O universo veio visitar meu orgulho e me deu um banho de água fria.

domingo, 6 de outubro de 2013

Mais vale o esquecimento que a memória

Mais vale o esquecimento que a memória
Eu analiso por meu tempo em glória
Imaginar-me qual criança um dia
Porque reflexões lá não havia
Era o fato de aceitar o mar
Tudo que eu podia era gargalhar
E de tal tempo áureo não me recordo
É como quando de um sono acordo
E só ficam fragmentos do vivido
Diferente do que com hoje lido
É trabalho, é ardor, é labuta
Gente honesta sabe dessa luta
E por mais que dela eu me canse
Ela faz que o mundo avance
E nem permite que eu me esqueça
Sempre faz que em mim floresça
Uma memória que me deixa escassa
Uma preocupação, uma desgraça
Que trocaria por ter um blecaute
Só para reviver um dia em auge
Que é só brincar, sorrir

Comer, cantar, dormir.

domingo, 29 de setembro de 2013

Blecaute

Nunca acertamos sempre.
Ninguém sabe toda a verdade.
Quem muito fala muito erra.
As estrelas do céu já não bastam.
Desejos perseguem holofotes.
O princípio morreu e ninguém foi visitar.
Sou contra o sistema, e sempre serei.
Eu leio a Bíblia.
Eu sigo a Lei.
Eu sei que o pecado entrou.
As portas estavam abertas.
O tempo passou e ele ficou.
Quase da família.
Eu apontei e me disseram que eu era louca.
Que aquele era um irmão.
Fui expulsa, tapete e vassoura.
A sujeira ficou lá dentro.
Fechei o meu coração.
Mas a minha casa se abriu.
De manhã eu cantei uma oração.
Ele ouviu.
Eu vi as estrelas dizerem:
O brilho, menininha, é só para o céu.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Hoje


Quando acordou, esbaforido, correu pro carro de atrasado que estava.
Nada do carro dar partida.
O outro, velho, já estava há muito encurralado num assento preferencial.
O trânsito engarrafado.
Ela saiu pra correr à beira do mar, de frente pra casa.
Um sol lindo.
A outra tomou o bebê nos braços pela primeira vez agora.
Felicidade emocionada.
O filho do casal ao lado não resistiu.
Maldito câncer.
O rapaz escondeu o anel no bombom.
Pedido ideal.
Os pais dela não vão chegar pra formatura.
Aviões caem.
E o sol a brilhar, como sempre, para todos.
Entendamos ou não.

domingo, 28 de julho de 2013

Cantares de Amor


Céu estrelado
Eu em minha cama
Busquei ao meu lado
Quem minha alma ama

Não encontro
O amor da minha vida
Eu, de pronto
Levantei-me de partida

Por praças e ruas
Procuro meu amado
Sob a lua nua
Crescente é meu enfado

Encontraram-me, porém
Na cidade dois guardas
Não estava o meu bem
Vestindo suas fardas

Dos dois me afastei
Até que vi meu amor
O meu príncipe, meu rei
Está comigo onde for

Abracei-o, lindo
Sob a luz do luar
Entreguei-me, indo
Junto a ele me deitar

Com ele compartilho
As delícias, o prazer
E o sol aumenta o brilho
Do amor no amanhecer.

domingo, 5 de maio de 2013

O Vestido e o Bebê

Na primeira vez que a vi, um dia apenas havia se passado desde sua chegada ao que chamamos de mundo. Frágil, foi forte o suficiente para quebrar barreiras que nem o tempo havia derrubado. Um amor tão imenso e desmedido coube em um ser que poderia ser escondido atrás de dois braços. Tudo que ela faz é bom, é lindo e contagia todos. Até as mais duras cervizes se dobram aos seus sorrisos.

Um dia, fomos como ela. As luzes e as cores poderiam nos entreter por horas. Não havia tempo e os grandes problemas a serem resolvidos certamente seriam amenizados com o leite materno. Tudo a fazer era descobrir. Pura e instintivamente descobrir.

Ela agora descobriu as mãos e os pés. Ela os olha e imagino que os experimente. O que ela ainda não descobriu foi o lado do mundo que a pode ferir. As frustrações que não passam com choro, as dores para as quais não há medicina, os sonhos que só acontecem depois de matar as sementes para surgirem em flores.

Mas em um momento, nós nos encontramos. Ela estava lá, sendo transportada por lugares com os quais está habituada: pessoas realizando sonhos, pessoas com planos felizes, pessoas celebrando o amor. Eu, por uma noite depois de dias de trabalho intenso dessa vida, recebi como um presente uma breve passagem por esse lugar.

Assim como ela experimenta as mãos, eu experimentei. Muito mais do que tecidos em harmonia, toda uma história estava exposta à luz. A cada tentativa, minha voz ecoava: sim, eu me entreguei a um amor sem medida. E a cada fracasso, confesso, a distância do sonho azul aumentava.

Mas o Poeta faz com que o que parece impossível e distante chegue às nossas mãos. Quando uma nuvem cinza ameaçava a vista do lugar de sonhos, o inimaginável aconteceu. Eu descobri que havia para mim o único, em que só eu me encaixaria, com todas as coisas lindas harmonizadas. E, para mim, o tempo parou.

Então, nos encontramos: ela e eu. O mundo, por um instante, foi perfeito. O tempo parou. Todos se renderam à nossa alegria e às nossas lágrimas. Os problemas ali não existiam.

Eu não sei se ela sorriu, se ela chorou. Mas serei eternamente grata a ela por ter aberto a mim as portas do seu mundo de sonhos para que eu realizasse um sonho de menina, e para que eu encontrasse exatamente o que desejava a me vestir para anunciar aos céus e à terra o que ela mostra com cada olhar: 

O grande amor da vida.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Mensagem de Texto

Ponto do ônibus. Eu, sob o sol, tentando identificar os letreiros. Parque de tubos? Não. Florestinha? Não. Macaé... não chega de jeito nenhum. Olho a hora. Ah, tem tempo. Adiantei hoje. João Alexandre, música... celular! A gente conversa. Mãe, já saí da loja sim. Sério? Segue reto, vocês vão me ver. Aceno. Entro no carro. Surpresa boa! Já almocei, mas vou com vocês. Tá, a gente passa na loja antes. A gente conversa. É, o fim de semana foi assim. Pai, come tranquilo porque eu tenho tempo. Mas a bebê tá linda demais, né? Também gostei da peça. Vamos então. Eu explico o caminho que o ônibus faz. A gente pode perguntar, qualquer coisa. Falo com minha vó. Beijo, tchau! Que bom que vocês estão me trazendo, a gente pode conversar no carro. A gente conversa. Aqui é Parque de Tubos. Não, ainda tá longe do trabalho. Segue o fluxo. A gente conversa. Vocês podem ficar comigo um tempo, claro! Penso se eles vão conseguir parar o carro. Uma saudade. Isso, pega a direita e retorna subindo à esquerda. Acho que é isso mesmo. Essa é a Cavaleiros, famosa. Tão bom estar junto. O caminho tá igual, mas com vocês, tudo muda. Sem vocês... tudo muda. Continua, pai, sentido Centro. É isso mesmo. A gente conversa. Adorei vir com vocês. Chegamos na praça, agora tá perto. Ali na frente tem placa, viu? Rodoviária é à esquerda. Aqui. Pode parar se quiser. Vai me levar lá? Tudo bem, tá pertinho. Direita e... chegamos! Sobe na calçada rapidinho. Pai, também te amo. Aperto de mão, sorriso. Obrigada por tudo. Bolsa, pasta, porta. Mãe, te amo também. Abraço, beijo. Atravesso a rua. Eles continuam. Juntos, os dois, como começaram. Eu fiquei. Trabalho, seguir a vida. Sala de professores, café. Nervosismo de primeira aula. Tranquila, todo mundo aqui passou por isso. Obrigada, gente. Fichas, livro, material. A colega terminou com o namorado ontem. Fica assim não. Pausa pra mim. Vou para o jardim. Sento no banco de madeira. Lindo. Celular. Oi, amor... que saudade! A gente se vê quinta-feira. Mensagem de texto. Você me levou ao trabalho hoje como antes. Beijos. Enviar para... Pai. Fim da pausa. Volto para a sala dos professores. Material. Tranquila, você vai se sai bem. Obrigada, gente. Fichas de alunos. Pra qual sala eu vou? Nove? Obrigada. Que turma grande! Vamos lá. Sorriso, postura, partilhar o que aprendi. Fim da aula. Preencho os pontos. Sala de professores. Guardo o material. Secretaria, fichas de alunos. Pontos. Boa noite, pessoal. Rua, rodoviária. Esse é o Unamar? Mensagem de texto. Indo para casa. Mãe ligando. A gente conversa. Fala com a sua irmã. Saudade. Amo você. Cheguei. Meu irmão me esperando no carro. Está tarde, não é muito seguro. Casa. Comida boa. Risada gostosa. Todos se ajeitam. Toalha. Banho... não, mensagem de texto chegou. Leio. Choro. Dizem boa noite. Escondo o rosto e respondo de voz limpa. Choro mais. Corro para o banheiro. Choro. Roupa, água, sabonete e lágrimas. Toalha. Choro. Espelho. Espelho da vida, música do meu pai. Choro mais. Disfarço o barulho. Lavo o rosto. Saio, converso, sorrio. Fecho a porta do quarto. Choro. E choro outra vez. Por quê, meu Deus, tem que ser assim? Porque
"Nada será como antes. A vida segue soberana. Quando precisar, estarei aqui, te amando como sempre.”.
Para meu querido pai, que revolucionou o meu dia (e a minha vida inteira) com uma mensagem de três frases.