sábado, 31 de março de 2012

O menino que andava nas nuvens



Ele era diferente dos outros. No olhar dele tinha alguma coisa de sonho, uma coisa dessas que não se pode explicar. Tinha também um infinito. Se alguém se atrevesse a olhar por mais de dois segundos dentro daqueles olhos correria um grande risco de se perder totalmente. Ou se encontrar. Mas era um menino, desses que a gente vê andando pela rua, que vai pra escola todo dia e gosta de alguma coisa de que gostam os meninos. Mas, ainda assim, ele era diferente dos outros.

Até que um dia, olhando para ele, aconteceu uma coisa linda. Nem todo mundo acredita, mas é a verdade. Uma verdade dessas fantasiadas de poesia. Os pés dele estavam no chão, eu vi. A cabeça estava nos ares. Ela se mexia num ritmo bonito, como se houvesse muita música presa dentro dos ouvidos. A cabeça subia, subia até chegar perto do sol. Então o rosto se aqueceu e o calor desceu pro coração. Aí foi que aconteceu de verdade. Depois que o coração aqueceu, os pés saíram do chão! Foram subindo, os braços se abrindo e quase podia abraçar o mundo. Ele voou em si mesmo até umas alturas desconhecidas.

Quando chegou bem lá em cima, afofou os pés numa nuvem bem branquinha que passou por perto. E saiu caminhando. Gostou de andar nas nuvens. E decidiu que andaria por lá. Se queria brincar, era só estender a mão pra pegar uma estrela. Se sentia frio, abraçava o sol. Se sentia calor, saltava pelas nuvens até o outro lado do mundo, onde a noite poderia refrigerar os seus desejos. Tinha tudo o que precisava. Os seus sonhos eram reais nas nuvens.

Mas um dia as nuvens estavam acinzentadas. Procurou um arco-íris e não achou. Procurou um amigo pelas nuvens e não encontrou. Ele sentiu solidão. Foi aí que descobriu que as pessoas do mundo não vão para as nuvens, os pés delas estão grudados no chão. Quis abraçar o mundo, mas sempre faltava uma parte. O menino percebeu que mesmo que abraçasse o mundo todo, o mundo não queria abraçar de volta. Achou difícil caminhar sobre as nuvens. Entendeu que sonhava sozinho. Aí teve uma ideia.

Coseu muitos sacos de pano. Encheu cada um, cuidadosamente, de nuvens. E todas as vezes que uma pessoa do mundo fechava os olhos por mais de cinco minutos, o menino descia e colocava o saquinho de nuvem debaixo da cabeça da pessoa. E ali ficava a pessoa, por horas, com os olhos fechados e a cabeça nas nuvens. Então as pessoas começaram a sonhar. Elas sonhavam e o céu escurecia e acendia estrelas. E todas as noites o menino que andava nas nuvens tinha sonhadores de companhia. Mas era só tirar a cabeça do saquinho de nuvem que os sonhos se tiravam de dentro das pessoas.

Mas a grande esperança do menino que andava nas nuvens era que as pessoas do mundo descobrissem que o saquinho de pano era só o embrulho. Se elas libertassem as nuvens, poderiam ser como ele e caminhar sobre as nuvens. O menino conhecia o segredo que mais ninguém conhecia: ele não precisava fechar os olhos para sonhar. E é por lá que está até hoje o menino que andava nas nuvens. Coração aquecido, nuvem no pé, música no ouvido e sonhos nos olhos de quem quiser...

domingo, 4 de março de 2012

Musica et Vita


Quem me conhece sabe que gosto das melodias. Especialmente das melodias mais bonitas. Mas as melodias bonitas e simples, ah! Essas eu amo. Não por causa de algum nível de dificuldade. Porque elas simplesmente não precisam de detalhes difíceis para serem interessantes. Elas são lindas por serem lindas. Simplesmente. Poderia cantá-las minha vida inteira. Seria feliz. Mas os sons que vivemos não são decididos por nós. A voz que Deus me deu é pra cantar mais do que músicas simples. Ela tem um potencial especial para cantar as mais difíceis como se fossem fáceis. A voz que recebemos não é para cantar só o simples, o bonito. É para cantarmos belamente até a melodia mais difícil que for escrita em nossa partitura. E precisamos praticar, treinar, aprender.  Temos que desenvolver as habilidades para superar a cada dia os nossos desafios musicais. Sustentar uma fermata por mais tempo. Atingir notas agudas com mais brilho. Ressoar as graves mais plenamente. Controlar melhor os stacatos para que não sejam agressivos. Aplicar a exata força no sforzando. Obedecer ao pianíssimo, mesmo que a emoção toque para nós um forte. Dar a dinâmica certa à nossa melodia. Mas ainda assim, há compassos em que precisamos aceitar notas abaixo e acima de nós. Precisamos harmonizar. Seja nos mais simples acordes maiores, seja nas mais inusitadas dissonâncias. A harmonia é funcional e cumprirá na nossa música um específico propósito. Acima de tudo, precisamos confiar no talento do Compositor. Ele é o Grande Maestro, o mais talentoso Artista. E quando o compasso à nossa frente parecer impossível de ser executado, devemos lembrar que até mesmo para as tonalidades menores, o Autor já escreveu uma picardia no final. E depois uma coda. Porque quem realmente aceita o desafio de ser regido pelo Músico Amado, nunca vai parar de cantar.