quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Os cabelos da minha mãe

Grama verde, casa com chaminé, sol amarelo, árvore.
Quando se é criança sempre há motivos para colorir.
Um boneco grande de palito sorri: é meu pai.
Nos braços dele, uma bolinha pequena: é minha irmã bebê.
Um boneco pequeno de palito com cabelo amarelo também sorri: sou eu.
Outro boneco grande de palito: é minha mãe.
Ela ganha um sorriso, um vestido de triângulo e cabelos.
Cheios, cacheados, ruivos, alisados, castanhos, escovados, brancos, curtos.
A cada desenho feito, mudavam.
E mudava também o meu desenho.
Agora os bonecos são todos grandes e a casa não tem chaminé.
O sol amarelo se escondeu atrás do cinza.
Um cinza que eu já havia conhecido de outros cadernos.
Ele que agora invadira meu desenho.
E os cabelos da minha mãe começaram a cair.
Pouco a pouco indo para o chão, para a roupa, para a folha de papel.
O boneco de cabelos amarelos não sorri.
O boneco que já foi uma bolinha não sorri.
O boneco que envelhece em meu desenho não sorri.
E os cabelos da minha mãe continuam a cair.
Tentei fazer cabelo em fio azul, roxo, verde florescente.
Mas nada floresceu.
O sol se escondeu.
E os cabelos da minha mãe estão caindo.
Lentamente os bonecos se aproximam no papel.
Tocam os braços de palito um no outro.
Tudo está cinza.
O lápis amarelo está sem ponta.
No chão, os cabelos da minha mãe.
Mas nas cabeças dos bonecos há sorrisos.
Azuis, molhados de lágrimas de chuvas cinza.
E num lugar que eu não sei desenhar, eu voltei a ser criança.
Quando se é criança sempre há motivos para colorir.
Mesmo sem o amarelo na caixinha.
Ou com um cinza a permear a minha folha.
Porque para mim a minha mãe sempre vai ser meu boneco de palitos.
Com um vestido de triângulo, um sorriso.
E com os cabelos que um dia desenhei.


6 comentários:

  1. Sempre contigo, pro que precisar...
    Passaremos por mais essa etapa JUNTAS.
    You Know...

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  2. Maravilhoso!
    é dificil expressar o que se sente quando leio coisas desse tipo...Unicas e cheias de sentimento!

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  3. Nossa... que texto, que palavras, que tudo!

    Um dia desses tive outra crise de cólicas renais e passei o dia todo no hospital. Vi tanta coisa... me senti impotente diante de tudo aquilo que estava diante dos meus olhos. Meus olhos enxergavam a dor real das pessoas. Queria poder ajudar, sentir um pouquinho por elas, fazer algo para amenizar aquelas dores que estavam ali. Minha mãe fazia algo que me impressionava. Ela fazia todo mundo rir. Ela sabe bem como colorir o dia cinza das pessoas. Mila, você acabou de me ensinar mais um pouco a me compadecer da dor do outro. Num mundo onde as pessoas estão alheias ao sofrimento dos outros. Você é especial. Você também pode colorir o cinza dessa folha.

    Os cabelos caem, mas sua fé e sua esperança permanecem aí, dentro de você.

    Continue. Siga em frente. O menino do nariz vermelho está pintado no cantinho dessa folha. Num espaço minúsculo. Mas está. Deixa-me estar. Estou com você. Conte comigo. Toda dor passa. Não importa o tempo que demore.

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    Respostas
    1. Você, Rafael João, faz jus ao nome que recebeu.
      Deus cura, Deus é bom.
      E Ele ainda põe você na minha vida para abrir o sol.
      Quero conhecê-lo.

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