sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O pedido final

Final

Ela não teve ar dentro de si para emitir qualquer som em resposta. "Calma, Talita. Sou eu!" retoma o Jardineiro. E lentamente a menina relaxava as pernas tesas pelo susto. Olhava fixamente para seus olhos. Que luz é essa nesse par de olhos lindo? Olhos de fogo. Seu olhar a consumia, mas não tirava sua vida. Fornecia. Tenta ajeitar-se. E o Jardineiro lá continua acocorado olhando a menina. Agora que estava mais calma, não conseguia disfarçar. Quem pode esconder felicidade assim? Patética? Quase. Romântica? De modo incorrigível! Estava tão apaixonada por ele... Senta-se com as duas pernas para um lado. Olha para ele de novo. Ele não havia parado de olhar para ela. E nunca o faria. Ela não consegue evitar o sorriso que lhe escapa pelo canto esquerdo da boca. Rubor. Abaixa os olhos e pergunta: "Você quer me dizer alguma coisa?", fala a menina quase recolhida. "Sim", responde o belo. "Eu vim para ver você. Está tão linda..." A menina se olha. Depara-se com seu vestido e corpo de poeira, cabelos emaranhados, pés sujos de caminhar... ele não pode estar falando sério. Mas mesmo assim ela sente sinceridade na fala do Jardineiro e as borboletas acordam dentro dela. O rosa invade as maçãs do rosto. Ela responde: "Obrigada". Pausa para tentar controlar a respiração ofegante. "É um botão.", disse o Jardineiro. "O quê?", pergunta a menina ainda rosada que não sabe sobre o que seu amado fala. "Amarelo. Que você estava tentando decifrar.", responde o Jardineiro. Então Talita lembra que estava admirando a novidade que surgira em seu vasinho de planta. Vira a cabeça para contemplar o objeto. Intriga-se. Decide tirar a dúvida: "Qual é o nome mesmo?". "Botão.", responde o homem com atenção, "É a flor que ainda não se tornou uma flor." Suspiro de sensação inesperada. É da menina, claro. "Está dizendo que isso vai se tornar uma flor?", pergunta a menina enfática e desacreditadamente. "Para mim, sempre foi. Porque o Jardineiro ao lançar uma semente, já sabe qual fruto quer colher." Respondeu o homem num tom enigmático, mas profunda e contraditoriamente revelador. "Essa é boa. Eu carregando meu vasinho o tempo todo, não imaginava que fosse sair algo tão belo do meio do barro.", diz Talita. "É o que o Jardineiro faz de melhor: suscita do barro preciosidades em vida.", diz o Jardineiro, que acaba de encabular a menina ao pegar nas mãos dela e a fazer suar frio. É a magna cena. Os dois se olhando nos olhos. Ele feliz, ela nervosa. O botão de flor amarelo ao lado, a copa da árvore acima deles e os campos dançando à música do vento iluminado e aquecido pelo sol... todos ansiosos pela próxima fala. "Talita", ele começa. "É chegada a hora de você florescer." A menina está estatelada e o homem sabe que ela não está entendendo suas palavras. Ainda. Ele recomeça: "A terra, o barro que há no seu vasinho suportou todos os sois e tempestades enfrentados. O calor escaldante, o frio cortante, os ventos... nada disso fez com que o barro desistisse de ser a casa da Vida, o lugar ideal para a Vida surgir. Porque, mesmo depois de todas essas fases difíceis, o barro recebeu a Vida que veio pela morte da Semente dentro dele..." Pausa. "Entende, Talita?" A menina continua confusa. O Jardineiro aproxima-se dela. Toma-a pelos braços e levanta. Ele a está segurando e ela sorri.


"Casa comigo."
Até o vento parou. Só os corações continuam. E aceleram. A menina, cujos olhos começam a lacrimejar, cairia no chão se seu amado não a tivesse nos braços, porque ela perdera as forças ao ouvir dele aquela frase. Os olhos do Jardineiro pareciam entrar e sair livremente do interior dela de tão irresistivelmente lindos e profundos que eram. Ele sorri. Ela esboça um abrir de boca mas não teve ar dentro de si para emitir qualquer som em resposta. O Jardineiro embala a menina nos braços e fecha os olhos: "Você é o barro e Eu Sou a Semente. Você entende agora, minha Flor?" Pausa. "Eu Sou o Caminho, do qual você não se desviou. Eu Sou o Sol que deu a você a Vida, que a aqueceu, que a iluminou. É por isso que é amarela sua flor." A menina, perplexa, pisca rápido várias vezes em tentativa de organizar todos os pensamentos e entendê-los.
"Sim."
Ela disse sim. Disse sim quanto a finalmente compreender tudo por que passara. Disse sim para cada um dos belos gestos do Jardineiro. Disse sim para o pedido de casamento do seu amado. Ele gentilmente coloca no chão os pés de sua noiva. Ela se firma sobre a terra. Ajeita-se. Ele vira de costas e sai andando. Ela não entende a atitude, mas aprendera a confiar. Até que vê o Jardineiro abaixar-se sob a copa da árvore da qual haviam se distanciado em alguns dos giros dele com Talita nos braços. Ele se levanta e caminha de volta em direção à amada, portando em suas mãos o vasinho que a ela dera há muito tempo. Novamente de frente um para o outro, fala o Jardineiro: "Você fez a melhor escolha, minha amada. Mas agora terá de confiar em mim. Pode ser doloroso por um momento, mas é o que você quer. Não deseja estar para sempre comigo?". "Sim, é o que eu mais quero", responde apaixonada. "Esse vasinho não suporta a força do Amarelo que tenho a compartilhar com você. Ele precisará ser quebrado.", diz o Jardineiro. Uma lágrima escorre pela face de Talita. Sente   uma forte dor a ponto de dar um grito desesperado de morte. Seu noivo a olha nos olhos e ela se comove porque Ele parece se importar mais com aquela dor do que ela mesma. E, nesse exato instante, o Jardineiro quebra todo aquele vaso em suas grandes fortes mãos. E Talita cai. E já não é.

...

Haveria quem pudesse dizer que ela morreu. Mas o fato é que logo após ter caído, Talita se levanta. Olha-se, ela traja novas e belas vestes como de princesa. O lugar é o mesmo: o Caminho. Mas tudo é novo. Ao invés de poeira, ouro. Ao invés de campos, flores. Ao invés de vento, música. Tudo era fresco e ouvia-se algo parecido com o som de muitas águas. Era um som maravilhoso para quem conhecera o deserto. Há muito ouro em todos os lugares. Ouro Amarelo. Põe a mão na cabeça. Descobre uma coroa grande e com pedras preciosas. Podia ver-se refletida no ouro ao chão. Olha novamente para os diamantes bordados nas saias de seus vestidos... quando uma mão levanta seu rosto. Era o homem mais belo que já vira. Trajava-se como um Rei. Ele olha a princesa à sua frente e a convida: "Talita, minha amada esposa, dance comigo." Então ela reconhece o Jardineiro. Aproxima-se dele e pergunta: "Jardineiro, você é um príncipe?" Ele sorri para sua amada e responde carinhosamente: "Eu Sou o Príncipe da Paz." Ela sorri de volta. Não se lembra mais da fome que passara, ou do frio, ou da chuva, ou da lama, ou do calor. Só pensa em sua dança. E em seu Príncipe. E na Paz.

...

E dançaram para sempre.

...

E longe da música, da dança, na escuridão da noite e na poeira que havia onde Talita já não era, floresce, amarela, a Tulipa.


Fim.

5 comentários:

  1. "Porque o Jardineiro ao lançar uma semente, já sabe qual fruto quer colher." Isso é profundo, verdadeiro e consolador! E como deixa tão feliz e tranquila apesar de todos os tormentos.

    Que final lindo e surpreendente, ao mesmo que esperado. E assim Ele faz conosco... E assim Ele nos observa e nos cuida em cada passo, até que sejamos sua esposa para sempre! ;D

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  2. Esperamos por esse casamento, né, Adelita?

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  3. Nossa....que final..parabens......quero escrever assim um dia.....Mila te amo...saudades.....esperamos ansiosamente o dia do casório...o dia de ser feliz

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  4. Irmã, é surpreendente ver como consegue retratar de forma visível o cuidado que nosso Jardineiro tem conosco. Que esse seja o primeiro de muitos contos que virão. Te amo. Parabéns pelo conto... Parabéns por tamanho talento. Obrigada por tudo.
    Karina

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  5. Marcelo e Karina, muito obrigada pelas leituras, carinho e atenção de vocês. Espero que esses escritos possam de alguma maneira fazê-los refletir sobre o amor que recebemos do Jardineiro... Também amo vocês! Paz, Mila.

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