sábado, 1 de outubro de 2011

A dança do Amarelo

Parte VII



O sol se pôs. O sol nasceu. Várias vezes repetiu-se essa dança. Nunca falhou. O sol se põe. O sol vai nascendo... surge a luz. Talita desperta cada um de seus sentidos vagarosamente. Aperta os olhos. Não quer acordar. Mas se rende quando ouve o pássaro a cantar quase acima de sua cabeça. Move-se. Mas permanece deitada sobre a relva. Contempla o verde iluminado da copa da árvore cuja sombra cobre seu corpo como um manto no leito de terra. A ave voa. E sai do campo de visão de Talita. "Há tanto mais que eu não consigo ver.", imagina a menina que acordara pensando em seu amado. Agora já admite para si mesma e para o mundo que ama seu amado. Não se envergonha da boa dádiva que dele recebera: a planta. Pensa agora em quando foi posta no caminho. Sem muito compreender, falhou tanto. Mesmo depois de compreender ainda falhava... tanto. Mas agora ela sentia que o Jardineiro estava com ela. Mas não apenas isso: ela sabia que andava com Ele. Fechou os olhos. Pintou em sua mente a imagem dele. Em várias cenas. Quando lhe entregou o vaso. Quando a chamou pelo nome. Quando lhe disse que enfrentaria a fogueira para alimentá-la. Quando disse que a amava... ah, como fora lindo. E como ela havia sido boba! Lembrou-se também de quando o Jardineiro sussurrava em seu coração as palavras de ânimo ao enfrentar a fome, o frio, a chuva. Abre os olhos. Ainda deitada, esboça um sorriso. Moveu a cabeça de lado. Um susto! Seu vaso, seu lindo vaso que era um dom do Jardineiro, que era sua preciosidade, sua vida, está... diferente. Senta-se. Suas pernas ainda estão esticadas. Arrasta e põe no colo seu vasinho para observar a novidade. Olha bem. Analisa. Há algo além das plantas com que já se acostumara. Amarelo, pequeno. Formato de uma semente em pé. Mas, não poderia ser... seria uma semente muito grande. Alguns dias atrás, em intervalos das caminhadas que se sucederam entre os os sois que nasceram e se puseram, ela havia notado um pontinho diferente. Era verde. Depois ficou branco. Agora... isso. Deixa o vaso no chão. Vira o corpo de bruços. Seu vestido estava sempre empoeirado. É no que dá viver nessa terra. Apoia-se sobre os cotovelos. Os joelhos se flexionam e os pés se tocam. E balançam. A sombra a guarda do calor. E os olhos da menina ainda fixos no desconhecido. É claro que se surpreendera ao ver surgir o primeiro broto em seu vasinho. Mas o verde ela via por todos os lados. Mas... amarelo? Para ela era muito diferente. Só conhecia duas coisas em amarelo: o Sol e o Fogo. Ambos lindos, calorosos, vivos... mas intocáveis. Não há como aproximar-se do Sol. Ele é Altíssimo. E o incrível é que, mesmo tão distante da terra, Ele a despertara essa manhã e todas as outras da vida de Talita. Ela morreria sem Ele. De frio, de medo. Como viver sem o Sol? Não conseguiria. Pára os pés. A menina agora está imóvel. Só os olhos piscam. Pensa no Fogo. Ele prepara seu alimento. Ele a aquece nas noites mais frias e ilumina as mais escuras. Ele dança sobre as cinzas. Mas consome. Não poderia tocá-lo sendo como ela é. Queimar-se-ia. Como é que pode, então, surgir o amarelo em seu vasinho? A Cor tão poderosa, distante, agora estava tão perto e podia ser... tocada. E Talita ousa. A ponta do dedo médio vai à frente, mas recua. O indicador é mais corajoso para esse desbravamento. Ora, que relutância! O vaso a ela fora dado, como não poderia tocá-lo? Decide sentar-se novamente. E o faz. Aproxima a cabeça de seu pertence e, enfim... toca. Outro susto! No exato momento em que toca o amarelo, sente um toque em seu ombro esquerdo. A menina pula com os braços para trás e dobra as pernas na frente do ventre em tentativa de defesa. "Por que o susto? Não sabe que estou aqui?"

(continua...)

4 comentários:

  1. Lindo......quero escrever assim um dia.....bjão Mila........sudades demais

    ResponderExcluir
  2. Até parece, Marcelo!
    Eu que aprendo com você. Saudades...
    Obrigada pelo carinho. ;)

    ResponderExcluir
  3. Divida as sílabas assim: "Amar" e "elo"... O que será, Adelita? ;D

    ResponderExcluir