quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O Velho

Parte III

Muita luz. Acordou com a cabeça quente demais e o  rosto queimado do sol. Tapou os olhos com as mãos até se acostumarem à luz. Olhou para trás de si mesma e viu que a árvore, sob cuja copa adormecera, havia morrido, simplesmente. "Que lugar é esse onde as árvores surgem em um momento e morrem em outro?", pensou. Aborrecida, levantou-se. Limpou a poeira do vestido. Abaixou-se e pegou seu pequeno vaso sem planta. Ainda não fazia ideia de como ele estava inteiro novamente. Nem ainda compreendera a árvore. Mas de uma coisa tinha certeza: o Jardineiro estava envolvido com isso. Não entendia aquele homem, mas, de alguma forma, gostava dele. Quando ele estava por perto, sentia-se completa. Voltou a olhar seu pequeno vaso. Percebeu que a terra dele estava secando. Decidiu procurar por água, para si e para seu precioso. Ainda estava aborrecida por ter acordado com a cabeça quente de sol. O rosto ardia pelas leves queimaduras na pele. E começou a caminhar, e caminhar, e caminhar... caminhar por uma jornada quase sem fim. Via-se os campos muito verdes, o sol que escaldava e a poeira que subia, quase como um ser vivo para aumentar a sequidão da garganta de Talita. A menina foi se cansando cada vez mais a cada passo. Mas sua mente continuava a jornada rápida em tentar compreender o mágico conserto de seu vaso e o nascimento e morte súbitos daquela árvore. Os olhos iam se tornando cada vez mais pesados. Caminhava há horas sob o sol e sem água. Estava a ponto de desfalecer. Ofegante, ia se deixar cair de joelhos sobre o chão quando avistou, a uma distância não muito grande, uma inóspita figura. A curiosidade tornara-se maior que o peso dos olhos. Tentou salivar e sentiu a língua como uma lixa. Isso estranhamente a fez decidir que precisava realmente se aproximar do vulto que vira. Sem forças nos braços, lutava para caminhar com o vaso sem planta pendurado nas mãos a bater nos joelhos semiflexionados. E, apesar de antes parecer impossível, percebera-se mais próxima da figura. Era uma pessoa sentada à margem do caminho. Usava um manto escuro, não sabia se era verde ou marrom, difícil de discernir. Com um capuz que cobria a cabeça. E tinha uma bolsa, uma bolsa grande. Na verdade era uma trouxa de pano, mas era bem grande e estava ao lado do seu dono que olhava para fixamente para o chão. Talita chegou em frente à figura, que levantou a fronte e olhou para ela. Ela pôde então observar as linhas no rosto do Velho. Parecia carrancudo, mas seu olhar era gentil. "Talita", proferiu o Velho com sua voz doce e cansada pelo tempo. "Como sabe meu... o nome que me deram?", retrucou a menina desconfiada. O Velho esboçou um sorriso e virou-se para sua bolsa. Desatou o nó que a fechava. Enfiou a mão enrugada e retirou de lá um odre de couro. Ergueu o utensílio para a menina e sussurrou "Beba". Desfazendo-se da desconfiança, Talita resolveu apostar todas as fichas na aparente boa vontade daquele velhinho à sua frente. Colocou seu vaso no chão, pegou aquele odre e bebeu avidamente, deixando escorrer um fio de água pelo pescoço até o peito. Engasgou, tossiu. Passou as costas da mão na boca molhada. Abaixou-se e derramou algumas gotas na terra de seu vaso. Percebeu que o Velho olhava para seu pertence. "Obrigada pela água.", disse Talita educadamente. "Já foi quebrado?", perguntou o Velho, como se desconsiderasse totalmente o agradecimento da menina. "O quê?", retrucou ela, sem entender. "O vaso... já foi quebrado?", perguntou o velho novamente, agora permitindo que um tom de enfado permeasse a sua voz. Surpresa com a pergunta, Talita respondeu timidamente: "Sim. Mas como você sabe que...", mas foi rispidamente interrompida pelo velho, que parecera satisfazer-se apenas com o primeiro vocábulo proferido em resposta à sua pergunta: "Bom, bom...". A menina sentia-se cada vez mais confusa e viu-se nervosa ao perceber que o Velho intentava tomar nas mãos o seu vaso. Adiantou-se e o pegou rapidamente. "Ele estava quebrado mas... não sei como, apareceu novo. E tinha uma árvore também que...", e novamente foi interrompida pelo Velho, que não se preocupava definitivamente em parecer simpático: "Para ser um vaso novo é preciso ser quebrado primeiro. E parabéns, menina. Devo admitir que você tem em mãos uma bela iguaria." Quase irritada, Talita argumenta: "Como você pode me dizer que um simples vaso de barro sem planta alguma é uma bela iguaria? Você acha que eu não sei que aquele Jardineiro poderia me dar algo melhor? Quer mesmo que eu acredite que possuo uma bela iguaria?" O Velho, cabisbaixo, começou a amarrar a sua bolsa de pano cuidadosamente. Esforçou-se para levantar e Talita percebeu que ele intentava ir embora, não sabia para onde. "Aonde você vai?", perguntou ela. "Menina Talita, você precisa se concentrar mais no Caminho do que no presente que recebeu. Só assim vai perceber o valor real do que tem em mãos.". Tocada com o que disse, Talita tomou o vaso nas mãos e levantou-se. Olhou fixamente para o Caminho à sua frente enquanto sua visão periférica apenas a fazia saber que o Velho levantara e andava para trás dela, em direção oposta à que a menina tomava. Passados alguns segundos em que olhava inerte para frente, Talita resolveu retomar a conversa: "Você sabe meu nome, mas ainda não sei o seu.", e como não chegara a resposta, virou-se para perguntar novamente, caso não tivesse sido ouvida e... "Onde...", pensou, "... foi parar o senhor...". E não havia nada para trás de seu caminho a ser visto. Nada além dos verdes campos e da poeira de sempre. Tornou à frente outra vez, ainda com seu vaso nas mãos. "Qual o problema desse lugar, do qual só eu não desapareço?", perguntou a si mesma em voz alta. Olhou para seu pertence e conversou com ele como se fosse alguém: "E você? O que será que você possui de tão mágico nessa terra aí dentro?". E riu. Riu de si mesma. Riu de seus momentos desesperados que não deram em nada. Riu de todas as vezes em que se achou uma louca. Riu por estar falando com um vaso de barro. Riu porque a água fresca renovara suas forças e sentia-se viva novamente. E refletia em tudo o que o Velho lhe dissera. E o sol refletia em seus cabelos. Deu mais um passo para a continuação de sua estranha e aventureira jornada. Sentiu uma brisa leve. E continuou a caminhar.


(continua)

4 comentários:

  1. Que interessante... estou acompanhando até o próximo capítulo.

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  2. Obrigada, Rosália!

    Sua opinião é importantíssima.
    Beijos

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  3. "...você precisa se concentrar mais no Caminho do que no presente que recebeu." Isso é tudo que eu tinha que entender hoje! Obrigada, Mila! ;D

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  4. Adelita, todos os dias eu preciso lembrar ao meu coração essa verdade. Beijos.

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