sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A noite de uma estrela só

Parte IV

O sol se quase pôs. Talita, que havia parado para assistir à bela cena, estava assentada sustentando-se com as mãos no chão para trás das costas. O vaso sem planta entre as pernas semiflexionadas parecia acompanhar o momento em que a terra recolhia para si o sol num abraço afetuosamente laranja. A cada segundo, a grande bola de fogo diminuía. Era como Talita se sentia. Mas era estranho porque, ao mesmo tempo que se sentia diminuída, sabia que, de alguma forma, isso a fazia crescer por dentro. Assim como o sol, que crescia para dentro da terra e decrescia fora dela. O ponto redondo sumiu na linha amarela e o céu estava rosa.  Nuvens cinzas contrastavam para compor o cenário perfeito. E o dia finalmente trocou o branco pelo azul quando desapareceu o último resquício da linha solar no horizonte. Talita joga o corpo para frente, de modo a não precisar mais de suas mãos para firmar-se. Com as pernas agora cruzadas, toma nas mãos seu vasinho. Afeiçoara-se a ele de uma forma que não esperava. Se bem que além do leve vestido, das sandálias que a trajavam e das perguntas em sua mente, aquele objeto de regeneração misteriosa era tudo que possuía. Era sua vida. Vida. Pensou nessa palavra. Deixou o vaso ao lado de seu corpo, cruzou os dedos atrás da cabeça e jogou-se para trás, deitando as costas e os cabelos na poeira do chão sob si. Não se importava. E viu o céu. Viajou do rosa, ao roxo e depois ao azul escuro. Observou uma única estrela que brilhava. Estava só. Única luz daquele mar de escuridão. Uma leve brisa passou por todo seu corpo. Arrepiou-se. Sentiu um frio gelado. E fome. Porque havia apenas bebido. E sentiu medo. Porque estava só como aquela estrela, e a lua não aparecera. Lembrou-se do seu encontro com o Jardineiro. "Não tenha medo", disse ele, "Ande sempre na luz". Pois é... onde estava a luz agora? E, com súbito pavor, ergueu-se presto e apoiou-se de lado pelos cotovelos. Puxou para si seu vasinho. Ele podia não ter planta, mas era seu. Arrastou-se nervosa para o canto da estrada. Trêmula, deitou-se em diagonal com o vaso abraçado ao peito. Olhou para o céu à procura da lua, mas não a encontrou. Sentia que nada a abrigava, apenas a solidão e o temor. Deixou escapar uma lágrima. Os braços gelavam-se. E como não tivesse outra opção, adormeceu no início da noite. E entregou-se ao sono sem paz, sem sonho, sem luar. Ela era a única estrela. E a estrela sentia-se .


não sabia que o céu a abraçava.

(continua)

2 comentários:

  1. Quantas vezes a vida nos abraça e não percebemos! E nos acaricia e não sentimos, e nos cuida e não agradecemos! ;D

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  2. É, Adelita. Todos os dias tento desenvolver em mim uma gratidão que independa das circunstâncias.

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