quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A árvore e o vaso quebrado

Parte II

Ali estava Talita. Desolada, com medo, aparentemente só. Deu uma volta em torno de seu próprio eixo à procura do Jardineiro. Nada via além dos campos verdes e vivos que bailavam com a música do vento repartidos pelo caminho de terra seca à sua frente. Nem árvores podiam ver-se. Olhou para o vaso sem planta em suas mãos e revoltou-se. Por quê ela? Por que a levaram até ali? Por que não deixaram ninguém com ela? E por que, dentre tantas plantas em um jardim, ou flores, o Jardineiro dera a ela um vaso sem planta? Ele não a chamara de "sua menina"? Impelida pela raiva, atirou no chão o vaso que ganhara. Quebrou-se a borda de argila e a terra úmida se misturou à poeira seca do chão. E como se fosse tomada por um desespero dominador, correu. Correu e correu... e tudo corria em sua mente. Fechou os olhos e tentou pensar só no vento que lhe batia as faces. Não sabia porque, mas Talita sentiu doer o coração enquanto corria, como se ele fosse torcido como se torce um pano molhado. E as gotas resolveram sair pelos olhos fechados. Percebeu algo diferente, mas não quis abrir os olhos. Sentiu que perdera a direção da corrida. O coração ainda torcido, os olhos ainda fechados e molhados. Os pés se enroscaram em algo. Caiu. Só abriu os olhos durante a queda. Acho que quase todos são assim. E com o corpo amortecido pelos feixes em que os pés se enrolaram, chorou. E chorou sua alma para fora com a cabeça virada para o chão. E parou de chorar. Levantou-se. Enxugou os olhos com as mãos, arrumou os cabelos. Olhou para si e se consertou. Voltou para o Caminho. Olhou para cima, para onde o Sol já chegara. Apertou os olhos pela luz. Começou a andar na direção oposta à que correu. Andou, andou... de cabeça baixa a observar a poeira que subia de cada passo de seus pés. Chegou ao lugar de onde havia corrido e... surpreendeu-se. No lugar onde o vaso quebrara havia crescido uma árvore. Talita olhou para aquilo e não soube o que pensar. Aproximou-se. Entrou na área de sombra. Observou a copa com os pequenos resquícios de luz do Sol que por ela trespassavam. Foi descendo os olhos pelo tronco até a raiz até que... parou. E viu no chão, recostado à árvore, o seu vaso sem planta. Mas não estava mais caído, nem quebrado. Chegou perto, tomou o vaso nas mãos e o apertou junto de si. Era seu vaso, mas era um vaso novo. Era o único presente que recebera. Arrependeu-se de tê-lo atirado ao chão, era tudo que tinha, era sua vida. E não iria deixá-la novamente. E assentou-se debaixo da sombra, admirando seu novo velho vaso e, de alguma forma, apaixonara-se por ele. E sabia que deveria enfrentar o Caminho com aquele presente. Mas antes disso, adormeceu. Embora agora estivesse mais acordada que antes.



(continua)

2 comentários:

  1. "Só abriu os olhos durante a queda. Acho que quase todos são assim." E como isso é verdade! ;D

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  2. Ah! Como fiquei feliz com seu comentário. Surtiu o efeito exato que eu esperava... Obrigada, Adelita! Você me estimula muito!

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