sexta-feira, 1 de julho de 2011

Céu nublado

Abre os olhos. Olha o teto. Diz "bom dia" em silêncio. Mexe os pés gelados para os aquecer. Pensa que tem que ficar. Sobe a coberta aos ombros e dobra as pernas. Fecha os olhos. Pensa que não vai conseguir dormir de novo. Abre os olhos. Senta na cama. Não se descobre, está frio. "É só aqui dentro", pensa. Quer ver o Sol. Descobre-se, o queixo bate. Pisa o chão frio. Levanta-se. Fica na ponta dos pés, diminui o gélido atrito. Vai à janela. Descortina. Olha o céu cinza. Toca o vidro. Encosta totalmente os pés no chão. Enche o peito de ar. Sopra com força. Abre, finalmente, a janela. Cerra os olhos por causa o vento. Fecha a janela rápido. Segue de volta ao leito. Deita. Cobre-se totalmente. Abre-se a porta. Entra a enfermeira. "Bom dia!", "Oi." Sorri.  A senhora de branco estranha as cortinas no canto das janelas. "Você levantou?". Silêncio. Descobre os pés da enferma. Toca-os. Os pés estão frios e arroxeados. "Por que você fez isso? Não brinque com a sorte, menina." E a menina pensa que não existe sorte. "Você não entenderia." Ignora a existência do outro ser humano ali presente. Só queria ver o Sol mais uma vez antes de ir. Porque não sabe se vai acordar de novo amanhã. Não pode perder as manhãs, é tudo que tem. Esperava o Sol, mas conforma-se ao cinza. Combina com a vida, pelo menos com a dela. Começam as dores. Derrama uma lágrima. Aperta as mãos no rosto. "De novo não!", pensa. Fecha-se a porta. Ela não viu a mulher sair. Tosse. Abaixa os olhos. "Por que você não me leva de uma vez?", pergunta. Olha a janela irritada. Lembra do cinza. Pensa na dor outra vez. Fecha os olhos. Deita de lado sem abri-los, como se isso ajudasse a aliviar os incômodos. Abre os olhos para procurar um livro da estante ao lado. Surpreende-se. Lembra-se da senhora. "Eu não vi que ela..." Esquece a dor. Admira o laranja, uma vida para os olhos acinzentados. Pega a flor. Cheira. Não discerne odor diferente, é a doença. Mas reflete. "Por que eu não vi isso?" Olha a janela cinza com o presente nas mãos. Arrepende-se. Fixa os olhos no céu nublado. Apalpa a flor. Fecha os olhos. "Desculpe-me, outra vez." Suspira e deixa rolar outra lágrima.
E finalmente lembra que o Sol está dentro dela.

4 comentários:

  1. Tão lindo.

    'Já se abre um Sol em mim maior. Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior'

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  2. Que incrivel!!! Estava ouvindo a musica do Mark Ishman - "Sense of Touch" no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=JqUDeBPTouU - a qual eh cantada em escoces arcaico e resolvi checar o teu blog. Ler "Ceu Nublado" ouvindo "Sense of Touch" foi uma experiencia UNICA!!!
    Que lindo o teu trabalho!
    Que linda a minha sobrinha!
    Te amo,
    Tio.

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  3. Tio, amo você.
    Cada uma de suas palavras foi inspiradora.

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