sábado, 10 de setembro de 2011

Asas e chuva

Parte VI

Caminhava novamente. Sempre reflexiva quanto a tudo o que acontecera. A manhã estava linda, quase azul. Estava fresca. Às vezes ventava um pouco mais forte do que o de costume, mas Talita não se importava. Fechava os olhos e imaginava as pombas. "Ah, quem me dera asas como de pomba! Então voaria e estaria em descanso.", pensou utopicamente. Já havia compreendido que não se pode fugir de desafios, é preciso enfrentá-los. O quase azul da manhã tornara-se um quase cinza. Depois, cinza. O frio aumentou. Continuou caminhando. Caminhou continuando. Havia decidido que não pararia enquanto não se cansasse. Ela sabia que, em algum momento, chegaria ao descanso. Mas o cansaço parecia ser seu constante companheiro. É claro que não faltava forças às suas pernas. Não era nesse cansaço que pensava. Era no de levantar-se e contemplar a mesma paisagem todos os dias. Os campos verdes, a terra areada, o sol. O sol hoje estava um pouco recolhido. Parecia não querer dividir seu brilho com o mundo... Brilho. Ah, não havia figura que brilhasse mais no sonho da menina do que os olhos do Jardineiro. Pensara nele desde o acordar, mas não queria admitir para si mesma que pensava tanto nele... Lembrava-se de suas palavras junto à fogueira. Tão romântico, mas tão real. O fogo reluzia em seu olhar. Ele dissera que enfrentaria o fogo para alimentá-la. Aquilo foi tão forte. Mas não tanto quanto o momento em quem a chamara de "Meu amor...". Ao lembrar de sua voz dizendo isso, o frio do vento parecia entrar dentro de sua barriga e despertar as borboletas dentro dela adormecidas. Queria vê-lo novamente, essa era a verdade. Ah, não... o que estaria sentindo? Não se permitiria apaixonar. Caminhou. Mais. E mais um pouco. E sentiu no ombro esquerdo um toque. Caíra a primeira gota. E a segunda. E a terceira. E perdeu a conta. Até que, num rasgo violento, o céu se tornou em água. Uma água pesada que não a deixava quase pensar. E o vestido grudou no corpo. Começou a tremer de frio. Ajoelhou-se e deixou escapar de suas mãos o seu vasinho. E não sabia se a água em seu rosto era chuva ou lágrimas. "Por quê é que você me deixa sozinha numa chuva dessas? Onde está você agora?". Já estava encharcada. Desistiu de resistir à chuva. Endireitou o vaso entre as pernas ajoelhadas e o cobriu acima com sua cabeça. E chorava. Observou seus cabelos caindo em volta do rosto. Olhou para seu vasinho e deixou que suas lágrimas caíssem sobre a pequena quantidade de terra ali. Chorando, começou a apreciar a massagem que recebia nas costas por causa da força da chuva. E começou a mandar seu coração apreciar aquilo como um presente. O dia estivera lindo, mas ficara cinza. O sol estivera quentinho, combinando perfeitamente com o vento fresco. Mas agora ela sabia que seu amor queria dar a ela uma massagem. Era a cara do Jardineiro dar presentes assim. A ela cabia o aprendizado de enxergar todas as coisas como uma dádiva, porque sabia que todas as coisas, de alguma forma contribuiriam para o bem dela. Então parou de chorar. Ergueu a cabeça. Levantou o corpo. Ficou de pé. E começou a dançar. Dançava quase voando. Ela decidiu crer que seu amado estava ali. Não se importava mais em estar apaixonada. Desejava sim vê-lo. E rodava em torno de si mesma. Girava os pés na lama que se formara na terra da estrada. Fechou os olhos e imaginou seu amor dançando ali com ela. E bailou.


E foi diminuindo a chuva... e ela sussurrou "Não, pare... não vá. Fique mais comigo." E a chuva parou. O sol abriu seus braços e abraçou a terra novamente, quase como um milagre. E ela se abriu para o momento e agradeceu por saber que Ele estava ali. Agradeceu pela chuva e pela dança concedida. E pela massagem. "Desculpe por não ter entendido seu presente... e quer saber?". Pausa. "Amo você...". Admitiu. Pegou seu vasinho no chão. Achou, por um instante, que sua plantinha havia crescido mais. Estava certa? Não sabia. Mas então seguiu pelo Caminho. Feliz. Quase saltitante. Encontrara seu amado.

(continua)

4 comentários:

  1. obrigado pela visita e a atenção as minhas histórias.....estou fascinado com o seu blog Mila.....parabens....vc me fez viajar....

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  2. Obrigada, Marcelo. Seu blog com certeza também me fez viajar... Obrigada pela visita e pelo carinho.

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  3. Ah! Estou feliz por ela ter percebido o presente que o Jardineiro queria dar. Às vezes não notamos o quanto Ele quer nos surpreender! Precisamos aprender a apreciar! ;D

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  4. É verdade... Adelita. O grande desafio do cristão é confiar que todas as coisas cooperam para o nosso bem.

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